REVIEW: Dancing With The Devil... The Art Of Starting Over - Demi Lovato

Demi Lovato lançou seu sétimo álbum de estúdio, e o primeiro desde que sofreu uma overdose em 2018, que quase tirou sua vida. "Dancing With The Devil... The Art Of Starting Over" conta com 19 faixas (sendo uma delas um interlude), extensão que é rara nos padrões da música pop atual.

A faixa de abertura do álbum é "Anyone", lançada em janeiro de 2020, em uma performance no GRAMMY. Sonoramente, não é minha música favorita da Demi, mas cumpre perfeitamente o papel de introduzir o disco. Sobretudo por representar o retorno da sua carreira após o traumático episódio da sua overdose. Mais do que isso, a letra traz uma angústia que é muito bem retratada ao longo do álbum.

Em seguida, vem "Dancing With The Devil", que também dá nome à série documental que a cantora vêm lançando no Youtube. A melodia e a produção tem um quê de trilha sonora, que faz todo o sentido quando você assiste o clipe, ou mesmo escuta a letra. A música reconta os acontecimentos da noite da overdose e os pensamentos que a levaram até ali. O vídeo, muito bem feito, também reconstrói os acontecimentos dessa noite.


A faixa seguinte ICU (Madison's Lullabye) é uma mensagem à irmã mais nova de Demi, Madison De La Garza. Ao escutar essa música, a primeira coisa que me veio à cabeça é que ela é de cortar o coração. O refrão suave explica o fato dela ser intitulada como uma canção de ninar (lullaby, em inglês). Além disso, ICU é a sigla de intesive care unit, o equivalente à nossa UTI. A sigla também serve como um trocadilho, já que sua pronúncia soa como "I see you", que significa: eu te vejo. A história por trás da canção, contada no documentário da cantora, é que uma das sequelas resultantes da overdose foi na sua visão. No momento em que acordou pela primeira vez no hospital, Demi não conseguia enxergar nada, nem mesmo sua irmã Madison, que estava à sua frente. Ironicamente, a primeira vez que Lovato se dedicou à sobriedade foi quando recebeu o ultimato de que não poderia mais ver a irmã mais nova se não se afastasse do vício.


Passada a faixa "Intro", um interlude falado, chegamos a "The Art Of Starting Over". Embalada em uma melodia que me lembra seus tempos de Disney (positivamente), Demi anuncia o que já é claro, ela está dominando a arte de recomeçar. Mais uma vez se reinventando diante de adversidades, a faixa não é um destaque, mas traz um tom mais leve.

Abordando um clássico da música pop - a desilusão amorosa - "Lonely People" é uma proclamação de independência. Essa canção é exatamente o que esperamos de uma música pop, e entrega uma dose de empoderamento, reconhecendo que todos somos solitários e que o amor não é sempre como vemos nos filmes. 

"The Way You Don't Look At Me" é, para mim, um dos grandes destaques do disco. O tema não é revolucionário, trata-se de um relacionamento falido, mas a abordagem é um diferencial. A vulnerabilidade que a voz de Demi e a composição trazem é emocionante. Não é de se estranhar, também, que a canção conte com grandes compositores, como Julia Michaels e Justin Tranter (responsáveis por boa parte dos sucessos pop da atualidade).


O nome da faixa "Melon Cake" é mais um que faz alusão à vida pessoal da cantora. Demi costumava receber de sua equipe apenas uma melancia (no lugar do bolo) em seus aniversários, em razão de sua batalha com distúrbios alimentares. Apesar do que o nome sugere, a música não serve apenas para lamentar as amarras e restrições que a assolaram. Mais do que qualquer coisa, é um hino de libertação, uma celebração do seu novo estilo de vida, mais humano e liberal.

"Met Him Last Night" provavelmente era uma das músicas mais aguardadas pelos fãs, ansiosos para ouvir a união de forças (e vozes) entre Demi e Ariana Grande. Particularmente, a faixa não é o que eu esperava de uma colaboração entre as duas. É uma música discreta - e morna. O ponto alto é a alternância de vocais das duas, no terceiro verso. A faixa foi escrita por Ariana - o que faz sentido, porque parece mais o estilo musical dela - mas conversa muito bem com "Dancing With The Devil".

"What Other People Say", colaboração com Sam Fischer, foi lançada antes do álbum. A melodia é bem diferente e agradável. A voz de Sam é muito bem vinda e complementa bem a música.

Em seguida, chegamos a "Carefully". A faixa adota um ritmo mid-tempo de fácil digestão, até eclodir em uma ponte mais enfática e nos lembrando da potência vocal de Lovato - se é que esquecemos em algum momento. 

O estilo retrô de "The Kind of Lover I Am" curiosamente já soa atual, devido à crescente popularidade desse som. Eu particularmente fico feliz com isso, porque acho muito agradável. Essa faixa é mais uma que conta com a participação de Julia Michaels e Justin Tranter na composição. Ela termina com uma outro falada na voz distorcida da cantora, se abrindo mais sobre sua sexualidade.

"Easy" é a balada que o álbum precisava. A melhor colaboração do disco. Demi e Noah Cyrus se revezam para entregar tudo que queremos em uma balada que faz parte de um álbum pop. Perfeita para encenar clipe olhando a chuva pela janela.

Em "15 Minutes", Lovato fala pela primeira vez do término do seu noivado com Max Ehrich. A honestidade é provavelmente o maior atrativo dessa faixa, que é boa, mas não impressiona. 

"My Girlfriends Are My Boyfriends" é uma proclamação de amor de Demi por suas amigas. A cantora aborda a priorização das amizades ao invés de um par romântico, um tema que não é visto com tanta constância na música pop, embora faça suas aparições eventualmente. A faixa é um ponto alto do disco e a quebra de ritmo proporcionada por Saweetie é bem-vinda.

"California Sober" soa como um desabafo, um peso tirado das costas da Demi, tanto por finalmente encontrar um estilo de vida que parece lhe servir bem, quanto por confessar isso ao público. A música traduz muito bem esse sentimento de alívio e leveza.

A faixa seguinte é um cover de "Mad World", clássico da banda britânica Tears for Fears. Sobre a música em si não há muito o que dizer, é um clássico atemporal. A interpretação de Lovato ficou muito boa. 

A penúltima música do disco é "Butterfly", cuja letra fala sobre o pai da cantora, com quem ela teve uma relação conturbada. Lovato se abre sobre como vêm superando o ressentimento que sentia em relação ao pai biológico e como a compreensão dos seus vícios os aproximou, mesmo após sua morte. O nome da canção se dá ao fato de uma borboleta (butterfly em inglês) ter pousado em sua mão no dia dos pais.

O álbum termina com uma nota de leveza, em "Good Place". Depois de enfrentar tantas dificuldades, Demi parece finalmente ter se encontrado em um lugar confortável. Essa faixa é uma boa demonstração da capacidade da cantora de traduzir sentimento com sua voz. 

De um modo geral, "Dancing With The Devil... The Art of Starting Over" não é meu disco favorito da Demi. Os pontos altos são os momentos de vulnerabilidade e a transmissão crua de emoção ao ouvinte, com destaque para "ICU (Madison's Lullabye)" e "The Way You Don't Look At Me". De qualquer modo, esse álbum pareceu necessário para o momento que Demi vive, é uma mensagem de sobrevivência.